por Eneida Mara Gonçalves
A beleza plasmada na natureza pode ter a propriedade de
despertar a bondade no ser humano. E essa é uma energia transformadora da
vontade, e a vontade é a maior de todas as potências da alma (1),
pois ela pode atuar com intensidade sobre todos os veículos da consciência
humana, o físico e os demais corpos sutis,
ativando as suas vibrações e viabilizando na pessoa a virtude. A virtude é uma força moral, uma disposição
firme e habitual para a prática do bem(2). E quando estamos nesse
estado de praticar o bem com espontaneidade, fortalecemos a nossa consciência
de ser integral, ou seja, de que somos muito mais que um corpo físico em movimento. Percebemos
que os movimentos do corpo físico podem ter uma finalidade capaz de revelar com
intensidade a criatividade das pessoas como um fator primordial de
transformação e evolução. É muito belo poder estar compreendendo o corpo físico
como um instrumento construtivo da natureza humana.
Os sábios curadores chineses, com a habilidade
característica de admiração e reverência à Natureza, observaram que na
polaridade que existe entre o Céu (yang) e a Terra (yin), existia em cada um
deles a manifestação do Tao, que é
expresso no equilíbrio entre yin e yang. Então, observaram que no Céu
havia em perfeito equilíbrio, um princípio obscuro (yin), que era a noite, o
escuro, a lua, e um princípio luminoso (Yang), que era a claridade, o dia, o
sol. Admiraram também a Terra e identificaram uma força yang, que era
representado por tudo aquilo que tinha movimento, e outra força yin expressa na
dureza das rochas e compactação das formas. E com a reverência sábia de quem
reconhece as leis da transmutação operando, observaram que, existindo um Tao no
Céu e outro na Terra, certamente deveria haver um Tao no homem, pois o que se
passa no macrocosmo acontece no microcosmo humano. E então observaram que para o homem
manisfestar o Tao é preciso que equilibre o seu princípio obscuro que é a
justiça, que permite a expansão da natureza humana, e o seu princípio luminoso
que é o amor, que promove a elevação da natureza humana.(5)
As leis da natureza, observadas no processo cíclico de
transformação contínua entre yin e yang, ao qual chamamos estações climáticas,
também operavam no organismo através das leis de geração e controle dos cinco
movimentos (elementos), determinando a humanidade do ser através da
manifestação de energias psíquicas nos órgãos, que são verdadeiros instrumentos
do desenvolvimento das inteligências (intelectual, emocional, etc) . Cada
víscera de característica yin, que são os órgãos fígado, coração, baço, pulmão
e rins, são depositários das energias que embasam o psiquismo . Com o seu trabalho movimentam as
energias que ancoram a expressão desse psiquismo através das emoções. As
emoções são estímulos mentais que influenciam nossa vida afetiva (3) e
podem ser causa de doenças quando são excessivas ou prolongadas. Os órgãos
são orientados por uma energia psíquica determinada, que reagem
ou ressonam com um estímulo emocional específico.
Assim, a energia psíquica que orienta a forma e os aspectos funcionais do
fígado (elemento madeira) chama-se Hun , e a emoção da raiva e todas as
suas nuances (ódio,frustração, irritabilidade, inveja, etc) é que influenciam o
seu funcionamento.O som que alivia e evidencia que as funções hepáticas estão
intensificadas pelas emoções é o grito. No baço a energia psíquica é o I,
e a emoção está relacionada com a preocupação, a ansiedade, com as faculdades
de compreender, com a reflexão , com a capacidade de memorizar , com a
ideação, e rege a imaginação
consciente.E, a atitude sonora relacionada é a do canto, cantar equilibra o
elemento Terra.Algumas pessoas que estão intensamente preocupadas e ansiosas
cantarolam espontaneamente diante dos desafios. Nos pulmões (elemento metal) é
o P o que nos habilita a
existirmos no arcabouço material do corpo físico, é uma energia que está
relacionada ao registro das dores físicas, e a emoção da tristeza é que
influencia essa função psíquica. O som
dessa expressão é o choro.
Com relação aos rins (elemento água), é o Zhi que elabora
o espírito de coragem, e representam a morada da vontade.O medo é a emoção que,
em exagero pode paralisar a vontade da pessoa.O gemido é o som que evidencia a
baixa de Qi dos rins.O coração, por sua
vez é a casa da mente, onde o Shen dirige as energias psíquicas de todos
os outros órgãos, garantindo a síntese de todo o processo da vida humana, corresponde ao consciente,e à
inteligência global que anima a forma. A mente é uma substância vital do corpo,
é o mais sutil e não substancial tipo de Qi. O riso é o som que evidencia que a
utilização das informações recebidas está sendo processada e dando sentido para
a realidade.Shen desperta a consciência
do Amor incondicional .
Quando os órgãos estão bem funcionantes , a
homeostase é mantida, e a pessoa pode
cumprir o seu destino. Para os chineses cumprir com o destino está relacionado
com o significado do ming men (porta da vida,mandato, destino) , de cujo ideograma se depreende que destino é o
que o ser realiza quando ele manifesta a palavra divina na ação (4)
. O ming men, se exterioriza no ponto de
acupuntura VG4 como um local de grande concentração de energia ancestral ,
formada no momento da concepção entre um homem e uma mulher (“As duas essências
, uma yin, outra yang se unem... para formar a vida: as essências do pai e da
mãe se unem para formar a mente” – So Ouen).Quando se esgota a energia
ancestral, não temos mais condições orgânicas de vida. Podemos dizer que a
postura ética de cumprir o destino, ou seja, de usar a palavra ou o discurso de
forma coerente (o que falamos é como agimos), é uma maneira de se preservar a
energia ancestral e de usá-la com a força da beleza promovendo nossas
virtudes.Quando somos virtuosos, manifestamos a nossa beleza interior.
Um curador precisa freqüentemente se lembrar de que é
também um educador, e incentivar no seu cliente/paciente a vontade de conhecer
e buscar a beleza do equilíbrio entre a forma e a qualidade de pensar, sentir e
agir para que haja de fato a conscientização sobre o que é permanecer saudável
e belo através das fases da vida.O que pensar
da beleza senão algo tão sutil e delicado quanto a energia e ao mesmo
tempo a manifestação organizada dessa energia na forma perfeita. E o que é a perfeição do corpo senão um forma
tão equilibrada, que é capaz de emanar estímulos energéticos que nos faz sentir prazer. E
porque não promover a beleza para gerar a conscientização e a esperança de que
a bondade ainda é uma verdade na espécie humana. É tão bom vivenciar a sustentação da beleza que vem
de dentro, porque ela pode levar a pessoa “do desequilíbrio à saúde, da saúde à
sanidade e da sanidade à santidade,” que flui do espaço sagrado onde habita o
Eu Superior de cada um.
Como está o contato, cultivo, preservação e
desenvolvimento da sua natureza humana?
E do seu espaço sagrado? Descubra e celebre a singularidade de sua
beleza, pois isso é curativo e capaz de sustentar todo e qualquer processo
estético que buscar fora de você.
(Artigo publicado na Revista Personalité – no. 04 -
Julho/Agosto – 2001)
Referências Bibliográficas citadas no texto:
(1)
Angelis,J. canalizado por Franco,D.P. – Plenitude –
Ed.
(2)
Dicionário
(3)
Macciocia,G. – A Prática da Medicina Tradicional
Chinesa – Ed. Roca, 1999
(4)
Anotações do curso com Patrick Paull na Fac. De
Saúde Pública/USP em junho/2000
(5)
Wilhelm,R. – I Ching, o livro das mutações – cap.
VII – os efeitos do livro das mutações sobre o homem – Ed. Pensamento, 1989
